Por Estevam Dedalus: A quem interessa a guerra?
A crise na Ucrânia se agravou na última semana. As negociações entre Rússia, EUA e OTAN não avançaram. A exigência russa de que a OTAN recue da ideia de ter a Ucrânia entre os seus membros foi negada em resposta formal, entregue a Moscou na quarta-feira (26). O governo dos EUA, por sua vez, ordenou a saída de familiares de diplomatas da Ucrânia, medida que seria seguida pelo Canadá e o Reino Unido, fortalecendo o argumento de que a guerra é iminente.
Continua sendo improvável um conflito em escala global. O que não significa que a possibilidade de guerra localizada esteja descartada. Esse parece ser o interesse dos norte-americanos e britânicos que, numa sanha piromaníaca, parecem se satisfazer quando as coisas pegam fogo.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido perdeu muito poder. A maneira como atua no conflito mostra que Londres procura se recolocar como grande protagonista político global. Essa necessidade de afirmação se tornou mais importante depois de sua saída da União Europeia (UE). O tom belicoso adotado pelo primeiro-ministro britânico Boris Johnson, em parte, é uma cortina de fumaça aos escândalos em que está metido. Johnson promoveu festas durante o período de lockdown e vem sofrendo pressões para renunciar ao cargo. Sua estratégia tem sido mudar o foco da opinião pública e do parlamento, colocando os holofotes em cima da crise russo-ucraniana.
Para os EUA, uma guerra prolongada entre Rússia e Ucrânia produziria, em tese, algumas vantagens geopolíticas e econômicas. Conflitos militares de longa duração tendem a criar problemas graves. Os custos financeiros são altos, assim como os humanos. Considerando a assimetria de poder, as chances da Rússia vencer uma guerra contra a Ucrânia são enormes. Mas, se isso realmente acontecer, terá que lidar com a difícil tarefa de manter o controle do país derrotado, num contexto caótico. Além dos complicadores internos que poderiam, de certo modo, arruinar a própria Rússia.
Uma guerra russo-ucraniana levaria naturalmente a sanções econômicas contra Moscou, que incidiriam sobre as exportações de gás e petróleo. Os EUA e o governo britânico tratam a guerra como uma oportunidade de atingir economicamente a Rússia e diminuir a sua participação no mercado europeu, dando espaço para suas companhias de combustível. O governo norueguês também tem interesse nessa disputa, porque deseja aumentar sua participação na exportação de gás para a Europa.
Tirar a Rússia da condição de maior fornecedora de gás da Europa não é fácil. A tentativa de alterar o atual cenário pode criar problemas ainda maiores. O Governo alemão possui grandes receios que essa guerra ocorra. Não é interessante para o país detentor da maior economia da Europa perder o acesso ao gás russo. Setores importantes da burguesia alemã estão em desacordo com um eventual apoio ao conflito. Cada dia fica mais claro que os interesses alemães não coincidem com os norte-americanos e britânicos, criando assim uma divisão no interior da OTAN.
O temor dos alemães é que os custos de produção aumentem com a disparada no preço do gás impulsionada por uma provável escassez. É de se esperar que o mercado do petróleo seja atingindo de modo a provocar efeitos globais que serão sentidos no Brasil. Especialmente porque a Petrobrás adota uma política de preços dolarizada. O valor dos combustíveis pode chegar a patamares que paralisariam o país.
Um dado curioso é que os estoques de gás na Europa, em janeiro, estão em níveis muito baixos (https://ria.ru/20220126/gaz-1769649019.html). No final de 2021 o preço do combustível atingiu US$ 2.190,4 por mil metros cúbicos. O que é explicável pela tentativa de substituir as fontes de energia tradicionais por alternativas renováveis, sem que houvesse as condições ideais para isso.
Na resposta oficial que a OTAN deu à Rússia, o presidente da Aliança Militar negou que existam divergências internas na Organização: “todos os aliados estão a bordo, todos os nossos aliados concordaram”. Ele frisou ainda que a OTAN tem um caráter defensivo e que recusar de antemão a entrada da Ucrânia iria contra o princípio da instituição de reconhecer o direito de autodeterminação dos povos. E acrescentou que a OTAN possui “planos em vigor que podemos ativar em um prazo muito curto”, o que inclui a mobilização imediata de 5.000 soldados da Força de Resposta da OTAN e mais 8.400 dos EUA.
De acordo com a agência de notícias russa RIA Novosti, o Kremlin consultará a China sobre a tréplica que enviará a OTAN e aos EUA. Tudo segue muito incerto.
*Estevam Dedalus é sociólogo.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.