Por Estevam Dedalus: O desemprego é bom pra quem?
A insatisfação com o trabalho parece ser uma tendência global do capitalismo. No último ano, os Estados Unidos experimentaram uma onda de demissões em massa. Apenas em novembro de 2021, cerca 4.5 milhões de pessoas deixaram seus empregos.
O sentimento desses trabalhadores estadunidenses é o de que as jornadas de trabalho eram estressantes demais, mal remuneradas e com pouca proteção legal. A renúncia de trabalhar sob essas condições seria facilitada por um cenário com maior oferta de empregos.
O desemprego, assim como a exploração do trabalho, são elementos nodais do sistema capitalista. Via de regra, os governos sabem como criar as condições para geração de pleno emprego, mas essa é uma decisão política que não costuma agradar os grandes empresários.
O economista polonês Michal Kalecki demonstrou as razões que levam os capitalistas a se oporem a políticas governamentais de pleno emprego. Não é interesse da burguesia que investimentos governamentais sejam destinados para a geração de pleno emprego. Em primeiro lugar, por uma questão de poder. Num sistema de laissez faire, são os grandes capitalistas que ditam a dinâmica dos investimentos, com base na confiança e no lucro, o que interfere no nível de oferta de trabalho.
Michal Kalecki observou que os capitalistas exercem uma espécie de controle indireto em relação à política governamental, fundamentado no imperativo de não abalar a confiança dos empresários para evitar que ocorram crises de confiança.
Quando os governos agem por conta própria fazendo investimento para a criação de empregos, inevitavelmente estão diminuindo o controle dos capitalistas. É por isso que os déficits orçamentários governamentais, necessários para implementação das políticas de pleno emprego, costumam ser demonizados pelos empresários, economistas ortodoxos e a mídia tradicional.
Os capitalistas também não gostam que o Estado invista em serviços ou áreas da atividade econômica que possam concorrer com o setor privado. É uma forma de evitar que seus rendimentos e lucros despenquem. Eles ainda são contrários ao subsídio governamental do consumo popular. Kalecki acreditava que nesse caso a objeção é até mais forte, porque vai contra a ética capitalista de que temos que ganhar nosso sustento individualmente.
Outro temor dos grandes empresários quando o assunto é pleno emprego, diz respeito ao enfraquecimento da ameaça de demissão como mecanismo disciplinador. Os patrões ficam mais poderosos quando os trabalhadores têm medo de ficar desempregados.
Um ambiente de pleno emprego, em tese, tende a dar mais confiança à classe trabalhadora, permitindo que ela se organize, exija mais direitos e construa movimentos grevistas. O que é politicamente indesejável para a classe dominante. É então natural que os capitalistas se oponham ao pleno emprego, mesmo que este signifique na prática um aumento do consumo e do lucro de suas empresas.
O que mostra como a classe dominante é capaz de impor politicamente os seus interesses estratégicos.
*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.
Estevam Dedalus é Sociólogo e professor do IFCE.