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Por João Paulo: Materialização da memória: na biblioteca, pincelando a história, Duas Estradas um esboço

Função dos vivos que se ocupam dos mortos, seus nomes e títulos aparecem como conservação da memória, batizando os prédios e as ruas da cidade de Duas Estradas, materializando seus nomes para a posterioridade, dando subsidio para a sobrevivência de uma casta eleita, que ocuparam as mais variadas áreas, funções, e ocupações sociais e culturais, contudo o uso de seus nomes tem por critério a política.

Costumeiramente e largamente usado, esse artifício era uma das armas, amplamente, usadas por grupos elitistas, que buscavam/buscam com essa prática materializar e eternizar os nomes ditos de “honra” – e não estou com isso desqualificando as pessoas, que eleitas pelos vivos, são assim selecionadas, mas apenas registrando que esses, não são os únicos responsáveis pela história, ela se constrói no conjunto da sociedade, e não por famílias e castas sociais ‘angelicais’.

Porém, pouco a pouco com os desdobramentos da história, o alargamento das fontes, do campo educacional, e o pendulo que o percorre com a abertura das universidades aos menos favorecidos, esses lugares vem sendo reelaborados, dando lugar à uma educação que reconhece os nomes de agentes sociais antes não reconhecidos por suas lutas e feitos, e pelas transformações que junto às outras pessoas empreenderam e transformaram efetivamente o Brasil, tal como conhecemos hoje.

Nesse sentido, para que se faça “justiça”, considero como acertada e louvável, a escolha do nome de Margarida Maria Alves para batizar a Biblioteca Municipal de Duas Estradas, que foi inaugurada em 18 de junho 2019, e cumpriu um papel social e politico.

Embora já ali com murmurinhos das elites locais, que diziam não saber de quem se tratava, e que essa pessoa não possuía nenhuma relação com o município, quando na verdade Margarida e sua luta têm relação com o Brasil, e com todos os trabalhadores – pois esta agente social da história do Brasil foi uma líder camponesa e uma das primeiras sindicalistas que se tem notícia, como também defensora dos direitos humanos.

No entanto, no último dia 24 de maio do corrente ano, esse feito (batismo) foi dissolvido pelo parlamento do legislativo municipal, através do Projeto de Lei Nº 01, de 24 de maio de 2021, de autoria do vereador Francisco Felipe dos Santos Neto. O projeto que foi acolhido por maioria ampla, propôs ao legislativo a dissolução do nome da Biblioteca Margarida Maria Alves, por Maria de Lourdes Freire dos Santos (avó do parlamentar autor da proposta).

Projeto de Lei do Legislativo Nº 01, de 24 de Maio de 2021: https://cmduasestradas.pb.gov.br/projeto-de-lei-do-legislativo-01-2021/

Art. 1º Passa a denominar Biblioteca Municipal Professora Maria de Lourdes Freire dos Santos á biblioteca municipal localizada no prédio da antiga Estação Ferroviária de Duas Estradas/PB.

Segundo a alínea do projeto, que transcrevo abaixo, o projeto se justifica por que […] alteração seja feita para Biblioteca Municipal Maria de Lourdes Freire dos Santos, tendo em vista que Dona Lurdes, como era bastante conhecida se dedicou grande parte de seu tempo a educação de nosso município […] (Câmara Municipal, 2021,p.01).  

Os meios de comunicação oficiais, embora não divulguem por excepcional interesse particular, é papel do historiador investigar e desnudar os acontecimentos, de modo que se atente aos detalhes e monte um quebra cabeça capaz de esclarecer os fatos e acontecimentos, a sua própria ótica, com a certeza de que a história não é feita de uma única versão, e de que o documento oficial é mudo, feito a parti do interesse de quem o produz. Sendo assim, lanço algumas questões às escuras, na busca de que sejam elas, o lampejo do pensar de quem se propõe a ler este texto.

Deste modo cabe a pergunta é ‘inflamante’: por que surgiu essa proposta? Ela se deve apenas pelos préstimos e serviços da homenageada? Visto que ela foi uma educadora. Trata-se de materializar a memória da família em mais um logradouro? Visto que temos uma rua com o nome do seu esposo, e hoje também falecido, o ex-prefeito Francisco Felipe dos Santos. Ou apenas se busca apagar os acontecimentos, politicamente, vexaminosos no município, relacionado à inauguração desse espaço (biblioteca)?

Sobre este último ponto, podemos lembrar que foi justamente no momento da inauguração desse espaço, que a então vice-prefeita Lalá não compareceu, não só fisicamente, e a prefeita Joyce fez foto solo, mas também não constava ao lado do nome da prefeita, o nome da vice na placa de inauguração da biblioteca.

Este fato, somado as outras insatisfações, como a de que não tinha autonomia enquanto vice e secretária de saúde do município na época desencadeou uma série de boatos sobre um possível rompimento politico da dupla, que logo veio a se confirmar no dia 1 de julho de 2019, quando da publicação no Diário Oficial do Município da exoneração da vice do cargo de Secretária de Saúde, de seu genro, o Secretário de Agricultura Chico Palitot, entre outras pessoas ligadas a ela.

Contudo o fato que passa aos anais da história oficial do município, não é demérito desqualificador da administração municipal, que tem seus vícios e virtudes. No entanto a mudança de nome vem muito a calhar, por que já no pleito da atual administração (2021-2024) ocorreu uma recomposição da chapa Joyce-Lala, e por obvio a politica do apagamento da memória se faz presente nesta proposição, pois dentro de menos de três anos se apaga da memória histórica do município o acontecimento.

Visto inviabilizar o lugar de memória do fato em um processo de longa duração, os acontecimentos decorrentes deste fato será um fardo dos vivos contemporâneos que as covas farão questão de apagar. Contudo não deixa de ser de interesse dos familiares da professora, de préstimos serviços, materializar o seu “forte e tradicional sobrenome” na história do município.

Disto decorre, uma vez mais, outro questionamento, afinal a biblioteca é um lugar de conhecimento, ou seria da mera alienação? Pois, no mesmo espaço está abrigada uma “Galeria de Honra do Município”, que segundo os idealizadores da administração seria um “lugar pensado para homenagear personalidades que ajudaram no crescimento da cidade”. Fato interessante, nesse espaço não consta fotos das gentes comuns, educadores (as), e outras classes liberais, que igualmente trouxeram desenvolvimento, e acesso a bens e serviços.

O espaço é alienador – por que se dispõe a contar a história de uma única família, a Costa – principalmente para os desprovidos de acesso ao conhecimento da história, e da produção intelectual de alguns poucos munícipes que tiveram acesso à academia, e que por meio dela recortam e recontam a história do município e de seus agentes sociais e políticos. Ademais, o local pode e deve ser mais que um espaço de uma única família, podendo passar de um mero espaço de chá e café, ao espaço da pesquisa séria e compromissada, da leitura relaxante e silenciosa diária de crianças, jovens, adultos e idosos (as).

Mas afinal, quem foi Margarida, e por que merece toda e qualquer homenagem?

Foi uma das primeiras mulheres a exercer o cargo de direção sindical no país, à frente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande. Foram 12 anos na presidência da entidade, onde lutou incansavelmente para que os trabalhadores do campo tivessem seus direitos respeitados.

As inúmeras denúncias de abusos e desrespeito aos direitos dos trabalhadores nas usinas da região, feitas por Margarida Alves, resultaram no seu assassinato – lugar dos que não tem proteção de poderosos, e não aceitam ficarem calados diante dos descalabros das elites politicas e agrarias do Brasil – encomendado por fazendeiros.

O nome e a história de luta de Margarida Maria Alves inspirou a Marcha das Margaridas, que foi iniciada em 2000, sendo esta uma manifestação realizada por mulheres e trabalhadoras rurais de todo o Brasil. Margarida Maria Alves foi assassinada com um tiro de espingarda no rosto, disparado por um matador de aluguel, em 12 de agosto de 1983 em Alagoa Grande/PB, a 38 anos atrás.

A luta e a morte de Margarida coincidem com o processo ditatorial no Brasil (1964-1985), período de obscurantismo e tragédias humanas proporcionadas e propagadas por agentes da repressão, e que tiveram desdobramentos horrendos na história da Paraíba e do país.

Os assassinos de Margarida nunca foram condenados e, dos envolvidos, apenas Zito Buarque foi julgado. Ele ficou preso por três meses, tendo sido absolvido em 2001, em João Pessoa-PB. Em reportagem do g1 (2021), a historiadora Ana Paula Romão, que pesquisa memórias camponesas, educação das relações étnico-raciais e ensino de história, explica que a luta de Margarida era pelos direitos trabalhistas do campo, pela educação e pelas mulheres.

A estudiosa destaca que “ela lutou muito pelo direito à carteira profissional, à carteira de trabalho, documentos do trabalhador do campo. Ela fundou o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural junto com Paulo Freire. Ela também fundou o movimento Mulheres do Brejo”. Por tantos feitos, Margarida merece toda e qualquer homenagem.

 

Estela um passo à frente no Estado

Em reconhecimento a luta empreendida por Margarida, a Deputada Estadual (Estelizabel Bezerra de Souza) Estela Bezerra (PT), enviou a Assembleia Legislativa da Paraíba (ALPB) o projeto de lei Nº 11.882, de 19 de Abril de 2021, que foi sancionado/acatado pelo Governador João Azevedo (Cidadania). A lei instituiu o dia 12 de agosto como “Dia Estadual das Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos”. A lei propõe que no âmbito do Estado da Paraíba, no referido dia:

Lei Nº 11.882, de 19 de Abril de 2021

Art. 1º Fica instituído, no âmbito do Estado da Paraíba, o Dia Estadual das Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos, a ser celebrado, anualmente, no dia 12 de agosto, em homenagem a paraibana Margarida Maria Alves, fazendo parte do Calendário Oficial do Estado.

  • 1º No dia referido no caput poderão ser promovidas atividades de reflexão e manifestações culturais e artísticas nas escolas do estado com o intuito de conscientização sobre a importância da vida e luta das Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, dentre eles Margarida Maria Alves, símbolo da luta das trabalhadoras do campo por direitos e cruelmente assassinada no dia 12 de agosto de 1983.

[…].

(DES) Cerramento da placa, inercia, invisibilidade e desconhecimento

A Prefeitura Municipal de Duas Estradas convidou á todos/as para participarem da solenidade de descerramento (retirada, substituição) da placa Margarida Maria Alves, pela nova denominação da Biblioteca Municipal, que passa a ser Profª Maria de Lourdes Freire dos Santos. O evento ocorreu em 29 de outubro do corrente ano, às 16h00min, durante a programação alusiva ao Dia Nacional do Livro, na Estação Ferroviária.

O Cerramento da placa demonstra a tese que expus anteriormente de que ali não jaz um espaço de conhecimento e conscientização, mas de pura alienação, pois causa espanto que no Dia Nacional do Livro, ocorra tal substituição, sem que isso seja questionado por ninguém, mostrando a total inercia pela falta de conhecimento da história e da importância de Margarida, que no município das elites politicas fica na invisibilidade e no desconhecimento.

Não é sobre politicagem, é sobre politica.

O apagamento da memória é um mecanismo de defesa da biografia politica no Brasil, a busca pela não criação de espaços de memória é um recurso para o esquecimento, mas também para dar margem as reinvenções das práticas políticas reprováveis de quem dita o certo, o dito e o não dito. Portanto não é sobre politicagem, das quais se somam as fofocas e as picuinhas de menor importância. Mas sim sobre política, que não sejam as da elite, mas sim voltados para o povo.

É preciso dizer: Margarida vive!!!

 

*Esse texto reflete, exclusivamente, a opinião do autor.

 

Veja o vídeo a seguir.

 

João Paulo Ferreira

Graduando em História pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), natural de Guarabira, filho adotivo de Duas Estradas, com atuação no Rádio desde 2015, nas seguintes emissoras: Radcom Nossa Voz FM, Rádio Alternativa The Rockers, Lully FM, Rádio Rock RJ, Rádio Interativa Web (inativa), e Rádio Nova Bayeux Web.

Radialista/locutor por formação, concedida pelo Centro Educacional de Desenvolvimento Profissional (CEPED – Certificado sob-registro N.º 1745927316). Editor do (Jornal Online) Gazeta da Paraíba, através do qual se mantem ativo desde 2018, colaborou com o extinto Guarabira News, onde assinava uma coluna sobre politica. Atualmente produz e apresenta o radiofônico semanal “O Melhor do Rock” (aos sábados, das 19:00 às 21:00 horas) na Radcom Nossa Voz FM. Contatos: jpaulof08@gmail.com – 083 993768714

Da Redação com PáginaPB/Fontes a seguir.

Biblioteca Municipal Margarida Maria Alves é inaugurada na cidade de Duas Estradas/PB. Link: http://www.fundacaomargaridaalves.org.br/2019/06/19/biblioteca-municipal-margarida-maria-alves-e-inaugurada-na-cidade-de-duas-estradaspb/

Prefeita de Duas Estradas exonera Lalá de Secretaria de Saúde e aliados da vice-prefeita. Link: https://portal25horas.com.br/prefeita-de-duas-estradas-exonera-lala-de-secretaria-de-saude-e-aliados-da-vice-prefeita/

Prefeitura convida para descerramento da placa com a nova denominação da Biblioteca Municipal, que ocorre nesta sexta (29). Link: https://www.duasestradas.pb.gov.br/prefeitura-convida-para-descerramento-da-placa-com-a-nova-denominacao-da-biblioteca-municipal-que-ocorre-nesta-sexta-29/

Projeto de Lei do Legislativo – 01/2021. Link: https://cmduasestradas.pb.gov.br/projeto-de-lei-do-legislativo-01-2021/

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